Metodologia e linguagem de trabalhos académicos

Em busca da clareza

Um dos principais problemas de muitos textos académicos (mas não só) é a falta de clareza. Sem dúvida que se encontra em todas as áreas, mas parece-me mais frequente nas ditas humanidades. Porém, ainda que haja assuntos e metodologias de investigação mais favoráveis à clareza do que outros, por exemplo por permitirem maior concisão e maior objectividade, o problema não é inerente à área do conhecimento, como se vê pelos casos mencionados no seguinte testemunho de Umberto Eco (citado daqui):

A filosofia de Bertrand Russell não gerou tantas interpretações como a de Heidegger. Porquê? Porque Russell é particularmente claro e inteligível, enquanto Heidegger é obscuro. Não digo que um tivesse razão e o outro estivesse errado. Quanto a mim, desconfio dos dois. Mas quando Russell diz uma idiotia, di-la de uma forma clara, mas Heidegger, mesmo que diga um truísmo, temos dificuldade em percebê-lo.

Se nalguns casos essa falta de clareza parece ser marcadamente intencional e é na realidade obscurantismo, noutros parece resultar de tentativa de seguir determinados estereótipos, ou de falta de ideias claras e ou, ainda, de deficiente domínio de certos aspectos mais técnicos ou mais práticos, nomeadamente linguagem, organização, objectividade ou concisão.

Independentemente das causas do obscurantismo, de natureza mais filosófica, as mencionadas deficiências técnicas geralmente são um atributo dos textos de quem se inicia em projectos de investigação como os que estão subjacentes a um doutoramento e, sobretudo, um mestrado. Segundo o que tenho observado em diferentes instituições, quem começa a escrever neste contexto académico frequentemente tem tendência a apresentar textos desorganizados, com frases desnecessariamente confusas, com terminologia usada de forma errada, com frequentes erros gramaticais e com descrições incompletas que deixam de fora muito do que o autor tem em mente – mas que o leitor desconhece e é indispensável para a compreensão do texto.

Estas deficiências geralmente são diferentes manifestações de um problema mais geral que é o do deficiente domínio da expressão escrita. Ainda que este problema não se consiga resolver de um momento para o outro, há algumas regras gerais que julgo poderem ajudar a minimizá-lo e, portanto, a melhorar a clareza de um texto. Entre essas regras saliento:

A respeito da construção das frases, particularmente da importância de não se usar palavras desnecessárias, ou seja, inúteis, costumo recomendar a leitura de um pequeno mas interessante artigo de Nuno Crato já há algum tempo publicado num jornal – posteriormente incluído num livro seu (Passeio Aleatório pela Ciência do Dia-a-dia, Lisboa, Gradiva, 2007) e também disponível aqui.

O problema das palavras inúteis, aí ilustrado através de dois casos graves que quase ilustram um desvario de linguagem, é uma das principais causas da falta de clareza dos textos de quem se inicia na escrita científica e técnica (e não só). Aqui acrescento três exemplos, retirados de um estudo de bens culturais que li há tempos, em que a confusão resulta de alguma dificuldade de expressão. A desorganização das frases, com consequentes repetições, e o uso de vocabulário mal seleccionado dão aqui origem a trechos com muitas palavras de onde me parece que custa mais retirar o significado do que das bem mais breves alternativas sugeridas:

Resolver estas dificuldades de escrita, contrariar determinados hábitos e ignorar certos estereótipos não é fácil. Mesmo para quem com muita experiência já desenvolveu o estilo de forma a ter "a fact per line rather than one per paragraph", "it can be heavy going at times" (Peter Brimblecombe, http://www.uea.ac.uk/~e490/www.htm).

Para terminar esta breve nota sobre um assunto tão importante, aqui ficam mais algumas recomendações que sublinham certas coisas ditas atrás e acrescentam outras sugestões igualmente úteis. Por serem da autoria de alguém de uma das disciplinas das humanidades, além disso com importantíssimo currículo, ainda têm maior importância:

O estudante português deve pôr-se em guarda contra a tendência para a dispersão e a menos clareza da exposição que constituem infelizmente apanágio de muitos compatriotas seus. Deve pôr as qualidades de entusiasmo, sentido de compreensão global dos problemas e capacidade de os tratar, sob um ponto de vista humano, que em geral o caracteriza, ao serviço de uma estrutura lógica e de um rigor científico, que tende a desprezar. Deve preocupar-se com a simplicidade do estilo, base de uma autêntica elegância formal, evitando os barroquismos de linguagem, as orações imbricadas, os períodos longos, a adjectivação pleonástica. Seria bom que todo o aprendiz de historiador começasse por ler obras de grandes escritores portugueses da segunda metade do século XIX e princípios do actual [século XX]: não apenas romancistas mas sobretudo ensaístas, jornalistas, polígrafos, historiadores menores até. Porque foi possivelmente o período em que melhor se redigiu na terra portuguesa (A. H. de Oliveira Marques, Guia do Estudante de História Medieval Portuguesa, 2.ª ed., Lisboa, Editorial Estampa, 1979, p. 230).

PS – Esta citação é também uma singela homenagem a um livro que muito me marcou na ocasião em que foi publicado.